sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Os Sistemas Agroflorestais dirigidos pela sucessão natural

Os Sistemas Agroflorestais dirigidos pela sucessão natural
(...um pouco dos fundamentos do manejo praticado por Ernst Götsch...)
por Fabiana Mongeli Peneireiro
Engenheira Agrônoma - MsC em Ciências Florestais na ESALQ/USP
Escola da Floresta - Rio Branco - AC
email:fmpeneireirARROBAyahoo.com
Originalmento publicado em:
Boletim AgroEcológico no. 13 – Out/99 - p.12
www.agroecologica.com.br
________________________________________
A agricultura, pela área que abrange e pelas práticas que utiliza, é tida como uma das atividades humanas mais impactantes ao ambiente. Numa paisagem agrícola, árvores ainda são consideradas um obstáculo que impedem o progresso.
Na paisagem, observa-se uma nítida separação entre áreas para produção (geralmente grandes áreas de monocultura ou pastagem) e áreas para preservação (mantidas sob proteção nas Unidades de Conservação).
Os Sistemas Agroflorestais dirigidos pela sucessão natural apresentam-se como um sistema de produção que além de produzir matérias-primas de interesse para o homem, conserva os recursos naturais, inclusive a biodiversidade, sem a necessidade de insumos externos (principalmente fertilizantes e agrotóxicos), indo ao encontro da tão almejada agricultura sustentável.
Ao se estar ciente de que lidar com a paisagem rural, com agricultura, é lidar com vida, e, ao se compreender os mecanismos ecológicos que ocorrem nos ecossistemas, observa-se que "a dinâmica da sucessão natural de espécies é sempre usada, mesmo em estágios mais avançados, como uma força que direciona o sistema e assegura a saúde e o vigor das plantas" (Götsch, 1995).
Os ecossistemas naturais estão sempre mudando, numa dinâmica de sucessão das espécies, caminhando sempre para o aumento da qualidade e quantidade de vida consolidada (Götsch, 1995). Estas mudanças se dão numa dupla via: os seres vivos alterando o ambiente e o ambiente atuando sobre os seres vivos. Cada indivíduo é determinado pelo antecessor e determina o seu sucessor.
O processo sucessional, para sua melhor compreensão, pode ser dividido em sistemas sucessionais, caracterizados por diferentes consórcios (para cada formação vegetal a combinação entre espécies varia), que podem ser vistos como apresentando plantas tipicamente pioneiras, secundárias e transicionais. Os representantes de todas as fases crescem juntos, porém, em cada fase da sucessão haverá uma comunidade dominando, direcionando a sucessão. Para cada consórcio, os indivíduos das espécies mais avançadas na sucessão não se desenvolvem enquanto as iniciais não dominam. As plantas precisam ser criadas pelas antecessoras. Neste processo, pode-se dizer, pela abordagem sistêmica/dinâmica, que a planta não morre, é transformada. A transformação é justamente o que dá idéia de continuidade, de dependência entre todos os indivíduos no tempo durante todo o processo sucessional (Götsch).
Para que o sistema sucessional evolua é preciso introduzir e conduzir consórcios corretos, efetuando o manejo adequado. O conhecimento tradicional local é muito importante para manejar agrofloresta pois é preciso conhecer as espécies que naturalmente ocorrem na região, suas funções, suas exigências ambientais (luz, nutrientes, umidade), quais as plantas companheiras, como se dão as relações entre plantas e animais (informações sobre dispersão), etc.
Para Götsch, consegue-se acelerar o processo sucessional da seguinte forma:
 identifica-se as espécies adequadas, os consórcios de espécies e sucessão de consórcios que ocorrem na região, em solos ou climas similares (para otimizar os processos de vida, tenta-se chegar à maior biodiversidade possível para preencher todos os nichos gerados pelo mesmo sistema);
 identifica-se o momento mais apropriado para o início de cada ciclo, isto é, do plantio de um novo consórcio, de modo que cada espécie encontre as melhores condições para se estabelecer, crescer, e finalmente, começar a direcionar o crescimento da comunidade;
 acelera-se a taxa de crescimento e a progressão nos processos sucessionais empregando-se a poda e a remoção de plantas uma vez que elas comecem a amadurecer e desta forma ter completado sua função na melhoria do solo.
Conforme os recursos para a vida vão se tornando disponíveis, através da influência do consórcio anterior, pela adição de matéria orgânica, exudatos, alterações na micro e macrofauna do solo e animais associados, a sucessão vai avançando pela substituição de consórcios, com indivíduos mais exigentes, de porte maior, maior ciclo, com maior complexificação do sistema. É interessante observar que paralelamente ao desenvolvimento da sucessão das espécies vegetais, interagindo com as plantas, participando da rede alimentar do ecossistema, ocorre uma sucessão animal também, referente à fauna associada a cada um dos sistemas sucessionais.
Para tentar colocar uma certa ordem nesta complexidade aparentemente caótica que é a floresta tropical, um mosaico de diferentes idades e estágios sucessionais, a fim de tornar mais compreensível o "design" e manejo dos SAFs, é interessante que se agrupem em classes as espécies que naturalmente ocorrem em consórcios, de modo que seja possível classificá-las seguindo certos padrões.
Assim, é possível caracterizar os grupos sucessionais por meio de informações a respeito das espécies quanto:
 duração do ciclo de vida;
 altura do estrato que naturalmente ocupa;
 padrão de ocupação;
 características fisionômicas e
 função das espécies dentro do processo sucessional. (conhecendo-se as necessidades ecofisiológicas de cada uma para que ela possa se estabelecer e chegar a dominar).
É possível identificar, para fins didáticos, os fundamentos-conceitos, envolvidos na elaboração e condução dos SAFs dirigidos pela sucessão natural:
 buscar replicar os processos que ocorrem naturalmente, compreendendo o funcionamento do ecossistema original no local;
 basear-se na sucessão natural (atentando-se de que, assim como uma forma de vida dá lugar a outra, criando condições ambientais satisfatórias, um consórcio também cria outro);
 inserir a espécie de interesse para o homem no sistema de produção dentro da lógica sucessional, tentando se basear na origem evolutiva da planta (condições ambientais e consórcios que geralmente acompanha a espécie, ou seja, suas necessidades ecofisiológicas).
A idéia de SAFs sustentáveis só se desenvolverá e crescerá se forem obtidas evidências de viabilidade concretas, consistentes. Por isso, é preciso "por a mão na massa" e instalar SAFs, a partir dos conceitos que nortearão sua implantação e manejo. Recomenda-se que inicialmente sejam implantadas pequenas áreas, pois o aprendizado, muitas vezes, vem com os erros e acertos. Trabalhos em mutirões são muito úteis para a implantação dos SAFs, uma vez que a maior demanda por mão-de-obra se dá nessa fase.
A partir de experiências bem sucedidas (principalmente por agricultores) outros agricultores se abrirão para encarar a árvore como uma aliada e não mais como um obstáculo e poderão mostrar na prática que é possível uma relação harmoniosa entre ser humano e natureza, tornando-se enfim, indissociáveis.
Bibliografia
GÖTSCH, E. O Renascer da Agricultura. Rio de Janeiro: AS-PTA, 1995.

Nenhum comentário:

Postar um comentário