(Artigo de João Pedro Stédile, Revista
Carta Capital, 07 de jan. 2013).
A sociedade brasileira
enfrenta no meio rural problemas de natureza distintos que precisam de soluções
diferenciadas. Temos problemas graves e emergenciais que precisam de medidas
urgentes. Há cerca de 150 mil famílias de trabalhadores sem-terra vivendo
debaixo de lonas pretas, acampadas, lutando pelo direito que está na
Constituição de ter terra para trabalhar. Para esse problema, o governo precisa
fazer um verdadeiro mutirão entre os diversos organismos e assentar as famílias
nas terras que existem, em abundância, em todo o País. Lembre-se de que o
Brasil utiliza para a agricultura apenas 10% de sua área total.
Há no Nordeste mais de 200 mil hectares sendo preparados
em projetos de irrigação, com milhões de
recursos públicos, que o governo oferece apenas aos empresários do Sul para
produzirem para exportação. Ora, a presidenta comprometeu-se durante o Fórum Social Mundial (FSM) de Porto
alegre, em 25 de janeiro de 2012, que daria prioridade ao assentamento dos
sem-terra nesses projetos. Só aí seria possível colocar mais de 100 mil
famílias em 2 hectares irrigados por família.
Temos mais de 4 milhões
de famílias pobres do campo que estão recebendo o Bolsa Família para não passar
fome. Isso é necessário, mas é paliativo e deveria ser temporário. A única
forma de tirá-las da pobreza é viabilizar trabalho na agricultura e
adjacências, que um amplo programa de reforma agrária poderia resolver. Pois
nem as cidades, nem o agro-negócio darão emprego de qualidade a essas pessoas.
Temos milhões de
trabalhadores rurais, assalariados, expostos a todo tipo de exploração, desde
trabalho semiescravo até exposição inadequada aos venenos que o patrão manda
passar, que exige intervenção do governo para criar condições adequadas de
trabalho, renda e vida. Garantindo inclusive a liberdade de organização
sindical.
Há na sociedade
brasileira uma estrutura de propriedade da terra, de produção e de renda no
meio rural hegemonizada pelo modelo do agronegócio que está criando problemas
estruturais gravíssimos para o futuro. Vejamos: 85% de todas as melhores terras
do Brasil são utilizadas apenas para soja/ milho; pasto, e cana-de-açúcar.
Apenas 10% dos proprietários rurais, os fazendeiros que possuem áreas acima de
500 hectares, controlam 85% de todo o valor da produção agropecuária,
destinando-a, sem nenhum valor agregado, para a exportação. O agronegócio
reprimarizou a economia brasileira. Somos produtores de matérias-primas,
vendidas e apropriadas por apenas 50 empresas transnacionais que controlam os
preços, a taxa de lucro e o mercado mundial. Se os fazendeiros tivessem
consciência de classe, se dariam conta de que também são marionetes das
empresas transnacionais.
A matriz produtiva
imposta pelo modelo do agronegócio é socialmente injusta, pois ela desemprega
cada vez mais pessoas a cada ano, substituindo-as pelas máquinas e venenos. Ela
é economicamente inviável, pois depende da importação, anotem, todos os anos,
de 23 milhões de toneladas de fertilizantes químicos que vêm da China,
Uzbequistão, Ucrânia etc. Está totalmente dependente do capital financeiro que
precisa todo ano repassar: 120 bilhões de reais para que possa plantar. E
subordinada aos grupos estrangeiros que controlam as sementes, os insumos
agrícolas, os preços, o mercado e ficam com a maior parte do lucro da produção
agrícola. Essa dependência gera distorções de todo tipo: em 2012 faltou milho
no Nordeste e aos avicultores, mas a Cargill, que controla o mercado, exportou
2 milhões de toneladas de milho brasileiro para os Estados Unidos. E o governo
deve ter lido nos jornais, como eu... Por outro lado, importamos feijão-preto
da China, para manter nossos hábitos alimentares.
Esse modelo é
insustentável para o meio ambiente, pois pratica a monocultura e destrói toda a
biodiversidade existente na natureza, usando agrotóxicos de forma
irresponsável. E isso desequilibra o ecossistema, envenena o solo, as águas, a
chuva e os alimentos. O resultado é que o Brasil responde por apenas 5% da
produção agrícola mundial, mas consome 20% de todos os venenos do mundo. O
Instituto Nacional do Câncer (Inca) revelou que a cada ano surgem 400 mil novos
casos de câncer, a maior parte originária de alimentos contaminados pelos
agrotóxicos. E 40% deles irão a óbito. Esse é o pedágio que o agronegócio das
multinacionais está cobrando de todos os brasileiros! E atenção: o câncer pode
atingir a qualquer pessoa, independentemente de seu cargo e conta bancária.
Uma política de reforma
agrária não é apenas a simples distribuição de terras para os pobres. Isso pode
ser feito de forma emergencial para resolver problemas sociais localizados.
Embora nem por isso o governo se interesse. No atual estágio do capitalismo,
reforma agrária é a construção de um novo modelo de produção na agricultura
brasileira. Que comece pela necessária democratização da propriedade da terra e
que reorganize a produção agrícola cm outros parâmetros.Em agosto de 2012, reunimos os 33
movimentos sociais que atuam no campo, desde a Contag, que é a
mais antiga, MST, Via campesina ,até o movimento dos pescadores,
quilombolas, etc., e construímos uma plataforma unitária de propostas de
mudanças. É preciso que a agricultura seja reorganizada para produzir, em
primeiro lugar, alimentos sadios para o mercado interno e para toda a população
brasileira. E isso é necessário e possível, criando políticas públicas que
garantam o estímulo a uma agricultura diversificada em cada bioma, produzindo
com técnicas de agroecologia. E o governo precisa garantir a compra dessa
produção por meio da Conab.
A Conab precisa ser transformada na grande empresa
pública de abastecimento, que garante o mercado aos pequenos agricultores e
entregue no mercado interno a preços controlados. Hoje já temos programas
embrionários como o PAA (programa
de compra antecipada) e a obrigatoriedade de 30% da merenda escolar ser
comprada de agricultores locais. Mas isso está ao alcance agora de apenas 300
mil pequenos agricultores e está longe dos 4 milhões existentes.
O governo precisa
colocar muito mais recursos em pesquisa agropecuária para alimentos e não
apenas servir às multinacionais, como a Embrapa está fazendo, em que apenas 10%
dos recursos de pesquisa são para alimentos da agricultura familiar. Criar um
grande programa de investimento em tecnologias alternativas, de mecanização
agrícola para pequenas unidades e de pequenas agroindústrias no Ministério de
Ciência e Tecnologia.
Criar um grande programa de implantação de pequenas e médias agroindústrias na forma de cooperativas, para que os pequenos agricultores, em todas as comunidades e municípios do Brasil, possam ter suas agroindústrias, agregando valor e criando mercado aos produtos locais. O BNDES, em vez de seguir financiando as grandes empresas com projetos bilionários e concentradores de renda, deveria criar um grande programa de pequenas e médias agroindústrias para todos os municípios brasileiros.
Já apresentamos também ao governo propostas concretas para um programa efetivo de fomento à agroecologia e um programa nacional de reflorestamento das áreas degradadas, montanhas e beira de rios nas pequenas unidades de produção, sob controle das mulheres camponesas. Seria um programa barato e ajudaria a resolver os problemas das famílias e da sociedade brasileira para o reequilíbrio do meio ambiente.
Criar um grande programa de implantação de pequenas e médias agroindústrias na forma de cooperativas, para que os pequenos agricultores, em todas as comunidades e municípios do Brasil, possam ter suas agroindústrias, agregando valor e criando mercado aos produtos locais. O BNDES, em vez de seguir financiando as grandes empresas com projetos bilionários e concentradores de renda, deveria criar um grande programa de pequenas e médias agroindústrias para todos os municípios brasileiros.
Já apresentamos também ao governo propostas concretas para um programa efetivo de fomento à agroecologia e um programa nacional de reflorestamento das áreas degradadas, montanhas e beira de rios nas pequenas unidades de produção, sob controle das mulheres camponesas. Seria um programa barato e ajudaria a resolver os problemas das famílias e da sociedade brasileira para o reequilíbrio do meio ambiente.
Infelizmente, não há
motivação no governo para tratar seriamente esses temas. Por um lado, estão
cegos pelo sucesso burro das exportações do agronegócio, que não tem nada a ver
com projeto de país, e, por outro lado, há um contingente de técnicos
bajuladores que cercam os ministros, sem experiência da vida real, que apenas
analisam sob o viés eleitoral ou se é caro ou barato... Ultimamente, inventaram
até que seria muito caro assentar famílias, que é necessário primeiro resolver
os problemas dos que já têm terra, e os sem-terra que esperem. Esperar o quê? O Bolsa Família, o
trabalho doméstico, migrar para São Paulo?